sexta-feira, 8 de maio de 2009

O Repórter X

Sempre tive um pavor por notícias falsas. E ao mesmo tempo um fascínio, uma curiosidade em saber o que leva os jornalistas a inventarem histórias. Por outro lado também acho um exercício interessante perceber em que momento da construção da notícia o repórter é enganado ou sai do trilho da verdade, sem se aperceber disso.
Hoje há muitos jornalistas que inventam. A possibilidade de não citarem fontes ("falei com um gajo da PJ, que me contou isto, e isto, e isto, mas claro que não o posso citar" - onde é que já ouvimos isto?) levou a que muitos jornalistas partissem para notícias escrevendo apenas convicções pessoais, sustentadas em fontes falsas.

Mas o rei da mentira, da falsidade, e que até acabou por se tornar cómico, chamava-se Reinaldo Ferreira e ficou conhecido por "Repórter X". Num trabalho académico com o tema "Notícias Falsas na Imprensa Diária" ofereci-lhe um capítulo. E ele merece-o.

Nascido a 10 de Agosto de 1897, em Lisboa, desde muito cedo mostrou gosto pela escrita e pelos jornais. Devorava folhetins policiais, vibrava com os assuntos quentes que apaixonavam multidões. Talvez por isso, virou-se para o jornalismo.
Reinaldo entrou na redacção de “A Capital” com apenas 16 anos. De imediato deu nas vistas pela sua criatividade e pela forma acutilante e apaixonada de relatar os acontecimentos. Três anos depois era colaborador de “O Século”. E foi aqui que começou a desenvolver o que, mais tarde, viria a ser conhecido por “Reinaldices”, sinónimo de aldrabices.

A primeira aventura em que se meteu foi quando resolveu relatar a história arrepiante de um crime ocorrido na Rua Saraiva de Carvalho, em Lisboa. “O Século” foi dando as notícias, que envolviam bandidos encapuzados, um cadáver e um misterioso malfeitor a quem Reinaldo chamava “O homem dos olhos tortos”. Os textos eram sempre assinados por Gil Goes, pseudónimo escolhido por Reinaldo Ferreira.

Esta história começou a ganhar proporções tais que “O Século” teve de revelar que, afinal, tudo o que se estava a contar era ficção pura. “O Mistério da Rua Saraiva de Carvalho" deu mesmo num livro, que foi, inclusive, adaptado ao cinema com o título de “O homem dos Olhos Tortos”.
Este caso acabou por dar enorme projecção ao jovem Reinaldo. Meses depois, em Março de 1918, escreveu uma reportagem para “A Manhã” relatando a vida de mendigo. Para isso, tirou uma foto vestido de indigente a pedir esmola. No final, apresentou o relato completo, com as contas aos 47 centavos que tinha conseguido juntar e todas as peripécias vividas no tempo em que andou a fazer-se passar por pobre. A verdade é que tudo foi inventado. A única coisa verdadeira era mesmo a fotografia.

Reinaldo Ferreira foi aprimorando a técnica de ficcionista. E em nova reportagem para “O Século”, ainda em 1918, fabrica um assassinato de um suposta turista numa pensão de Lisboa. O repórter chega a destruir o quarto da pensão e espalha sangue de galinha por todo o lado, para obter um relato mais impressionante de uma história completamente falsa.

A veia de ficcionista também lhe dava para outras coisas. No dia da morte de Sidónio Pais, a 14 de Dezembro de 1918, Reinaldo Ferreira inventou o que disse serem as últimas palavras do estadista revolucionário: “Morro eu, mas salva-se a Pátria”. O que se sabe é que o jornalista não estava na estação do Rossio, onde Sidónio Pais foi morto, nem, sequer, alguma vez trocou uma palavra com ele.

Desafios pessoais e profissionais, levam Reinaldo Ferreira a viajar para Paris, primeiro, e Barcelona, depois. E é da Catalunha que resolve escrever um artigo para ser publicado em Portugal atacando o ditador Primo de Rivera, que a 13 de Setembro de 1923 resolve fazer um golpe de Estado em Espanha e tomar o poder, com a conivência do Rei Afonso XIII. Só que o jornalista teve medo de poder vir a sofrer represálias por causa desse artigo, por isso resolveu assinar a peça apenas como “Repórter”. Quando o texto chegou às mãos do tipógrafo, este olhou para a assinatura e leu “Repórter”. Mas em frente a esta palavra estava um pequeno rabisco que se assemelhava a um X. Pensando fazer parte do nome, o tipógrafo assina o artigo como “Repórter X”, nome que viria a ficar para a história.

Antes de morrer – o que aconteceu aos 38 anos –, Reinaldo Ferreira continuou a fazer das suas. Pelo jornal “ABC” inventou toda a cobertura jornalística dos meses que se seguiram à morte de Lenine na Rússia – o jornalista nunca chegou a sair de Paris e escreveu dezenas de reportagens relatando episódios caricatos vividos em Moscovo, onde frequentemente se cruzava com portugueses.

Pelo “Primeiro de Janeiro”, Reinaldo fez o País acreditar que existia uma campanha alemã que iria produzir libras em loiça, para desacreditar a moeda inglesa. Mas aqui as coisas acabaram por correr mal ao Repórter X. Nesta história, envolveu o nome do banqueiro português Francisco Borges, do banco Borges&Irmão, e a mentira descobriu-se. Reinaldo Ferreira foi despedido do jornal. Tentou a sua sorte criando pequenas publicações próprias, mas não teve grande sorte. Reinaldo enfrentava aqui o momento mais duro da vida.Dependente de morfina, foi obrigado a fazer uma cura de desintoxicação. Nunca conseguiu largar completamente o vício. O Repórter X acabou por morrer a 4 de Outubro de 1935, em Lisboa. Ficou na história como um dos mais brilhantes jornalistas da sua época. A época em que para se ser bom jornalista não era essencial respeitar sempre a verdade.

3 comentários:

  1. Troque-se a ordem dos teus últimos nomes, e sou eu.

    Ele há coisas...

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  2. Gosto deste registo, e destas outras coisas que valem a pena ser faladas... =)

    Bjinho

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  3. Concordo com o que a Pi disse!!

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